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26 Setembro, 2024

Europa reduz a proteção do lobo: um grande golpe para a biodiversidade e a ciência

Europa reduz a proteção do lobo: um grande golpe para a biodiversidade e a ciência

Lobo-ibérico. Fotografia Palombar.

A maioria dos Estados-membros da União Europeia (UE) concordou, esta quarta-feira, 25 de setembro, em adotar a proposta da Comissão Europeia (CE) para reduzir o estatuto de proteção do lobo no espaço europeu ao abrigo da Convenção de Berna. Esta mudança abre a porta ao abate de lobos como uma falsa e ineficaz solução para a predação do gado, o que vai contra o compromisso da Europa de salvaguardar e restaurar a biodiversidade. A decisão foi tomada depois de a Alemanha ter mudado inesperadamente a sua posição de abstenção para voto a favor, no último minuto.

Com esta decisão, os Estados-membros optaram por ignorar o apelo de mais de 300 organizações da sociedade civil e de proteção do ambiente e da fauna silvestre, entre as quais a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, e de centenas de milhares de pessoas que os apelaram a seguir as recomendações científicas e a intensificar os esforços para promover a coexistência com grandes carnívoros, através de medidas preventivas.

Quando uma questão pessoal da presidente da CE leva à redução da proteção do lobo na Europa

Ao adotar a proposta da Comissão Europeia, os Estados-membros estão também a aprovar decisões pessoalmente motivadas que se sobrepõem às provas científicas, permitindo à presidente da CE, Ursula von der Leyen, usar o seu poder político para vingança pessoal contra o lobo e para agradar setores que apoiaram e apoiam a sua manutenção no cargo que ocupa. Desde que o seu pónei Dolly foi tragicamente morto por um lobo em 2022, ela tem usado a sua influência para mudar a legislação da UE sobre a proteção do lobo.

A decisão desta quarta-feira não só mina décadas de esforços de conservação, como também representa um revés significativo para o que foi aclamado como um dos mais notáveis sucessos de conservação da vida selvagem da União Europeia: o resgate do lobo da quase extinção.

O lobo está estritamente protegido pela Convenção de Berna e pela Diretiva Habitats da UE, servindo como uma espécie-chave vital para os ecossistemas saudáveis e para a biodiversidade em toda a Europa. O enfraquecimento da sua proteção dificultará a recuperação contínua das populações de lobo e comprometerá os esforços para promover a coexistência entre humanos e grandes carnívoros, optando-se, em vez disso, pela abordagem de curto prazo de controlo através do abate.

Recuperação das populações de lobo na Europa ainda está em curso

A ciência mostra que a recuperação das populações de lobo na Europa ainda está em curso. As populações de lobo na UE encontram-se num estado de conservação desfavorável ou inadequado em seis das sete regiões biogeográficas, de acordo com as avaliações mais recentes realizadas ao abrigo do artigo 17.º da Diretiva Habitats. Assim, os principais objetivos da Convenção de Berna e da Diretiva Habitats - restaurar as espécies ameaçadas - continuam por cumprir. Além disso, a própria análise aprofundada da Comissão Europeia não confirma qualquer prova de que o abate reduza a predação do gado.

A proposta será agora formalmente adotada na próxima reunião do Conselho da UE, esta quinta-feira, 26 de setembro, a tempo de a Comissão Europeia a submeter ao Comité Permanente da Convenção de Berna. A UE apoiará a proposta como um bloco unificado para a última votação prevista para dezembro.

José Pereira, biólogo e presidente da Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural, alerta que “a redução do estatuto de proteção do lobo na Europa no âmbito da Convenção de Berna poderá abrir portas a alterações que vão no mesmo sentido no quadro da Diretiva Habitats da UE. Neste momento, Portugal ainda não será afetado por esta medida, mas, no curto e médio prazo, poderá sofrer as suas consequências. Trata-se de um duro golpe para a conservação e proteção do lobo, podendo colocar em causa o trabalho de décadas para recuperação desta espécie icónica, que permitiu evitar a sua extinção nalgumas regiões europeias e promover a coexistência pacífica com as comunidades humanas. Um retrocesso sem precedentes, contra o qual continuaremos a lutar”.

“Ao apontar para o lobo, a Europa deu um tiro no pé. O enfraquecimento da legislação eficaz da UE por motivos injustificados mina totalmente a confiança na tomada de decisões. Ao atender a campanhas populistas de alarmismo e ao abandonar os factos e as soluções pragmáticas, tanto a UE como o governo alemão estão a minar ainda mais a democracia e a coesão europeias. O resultado desta votação afastará ainda mais a UE dos esforços construtivos para proteger e restaurar a biodiversidade da Europa”, adverte Sofie Ruysschaert, responsável pela Política de Restauro da Natureza da BirdLife Europe.

Já Agata Szafraniuk, advogada líder em vida selvagem da ClientEarth, sublinha que "os riscos vão para além dos lobos, uma vez que as implicações jurídicas da proposta da Comissão Europeia podem ter consequências de longo alcance. A Convenção de Berna, que abrange todo o continente europeu e não apenas os Estados-membros da UE, serve como uma salvaguarda crucial contra os esforços para enfraquecer a proteção das espécies ao abrigo da legislação da UE. A remoção desta salvaguarda poderá minar significativamente os fundamentos do quadro de conservação da natureza da UE".

"Esta decisão surge no momento em que a Convenção de Berna celebrou o seu 45.º aniversário na semana passada. É uma notícia triste para o lobo, para a legislação ambiental da UE e uma mensagem preocupante para a comunidade internacional. Os Estados-membros da UE estão agora prontos para condicionar a proteção ambiental, colocando em risco o nosso património natural e indo contra os compromissos internacionais da UE no âmbito do Quadro Mundial para a Biodiversidade. Isto afeta a credibilidade da UE, poucas semanas antes da COP16, a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Biodiversidade”, afirma Florencia Sanchez Acosta, responsável pela Política para a Biodiversidade do European Environmental Bureau.

“A decisão de baixar o estatuto de proteção do lobo envia um sinal desastroso e vergonhoso da Europa, apenas algumas semanas antes da reunião crucial da COP16. Como podemos pedir a outras regiões que protejam a sua biodiversidade e convivam com espécies como tigres, leões ou elefantes, quando não podemos conviver com o lobo? A mensagem que hoje chega da UE é verdadeiramente embaraçosa: pregamos ao mundo sobre a conservação, enquanto desmantelamos um dos nossos maiores sucessos de conservação em décadas”, conclui Sabien Leemans, responsável pela Política de Biodiversidade do Gabinete de Política Europeia da WWF.