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28 Fevereiro, 2025

Natator: o abutre-preto que nadou pela vida no Tejo Internacional, sobreviveu e voltou a voar

Natator: o abutre-preto que nadou pela vida no Tejo Internacional, sobreviveu e voltou a voar

O abutre-preto Natator observado à distância. Esquerda: encurralado entre o rio Tejo e a vegetação da margem. Direita: a secar as penas após cair no rio. Fotografia Paulo Monteiro/SPEA.

Conheça a história surpreendente de resistência e superação do Natator, um abutre-preto que foi resgatado numa missão internacional, depois de ter caído no Tejo Internacional e nadado pela vida, recuperado e sido devolvido à liberdade no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return.

De um dos casais que nidifica na Herdade da Cubeira, no Parque Natural do Tejo Internacional, a 21 de abril de 2024 nasceu um pequeno abutre-preto macho, posteriormente batizado de Natador, que recebeu a anilha de código 5S quando tinha 89 dias de vida. No dia da sua anilhagem, a 18 de julho, foi também marcado com um emissor GPS, que permite às equipas do projeto acompanhar todos os seus movimentos e comportamentos. Menos de um mês depois da sua marcação, este abutre-preto começou a fazer os primeiros voos, sempre na região do Tejo Internacional, pousando, muitas vezes, nas margens do rio. No vale, mesmo junto à água, nem sempre há rede, pelo que, por vezes, os pontos GPS são recebidos de forma intermitente.

Monitorização atenta é essencial para salvar a espécie

Apesar das dificuldades na receção dos pontos GPS, Paulo Monteiro, técnico da SPEA - Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves responsável pela monitorização da colónia, pressentiu que uma das paragens à beira-rio parecia estar a prolongar-se por demasiado tempo. Os dados do acelerómetro mostravam que a ave estava viva, mas poderia estar em dificuldades. Estando a ave na margem portuguesa do rio, de muito difícil acesso e observação pelo lado português, Paulo contactou os Agentes del Medio Natural da Junta de Extremadura (JEx), que prontamente disponibilizaram uma equipa para observar a cria a partir de Espanha. Juntos no terreno, confirmaram que o abutre estava bem, mas parecia encurralado entre a vegetação densa da margem e a água do rio.

Um abutre nadador e uma operação de resgate internacional

Para evitar uma interferência perturbadora (e eventualmente desnecessária) e verificar se os pais viriam alimentar o jovem abutre, o Paulo regressou no dia seguinte e permaneceu todo o dia em vigilância. Os pais não se aproximaram, o jovem abutre bebia frequentemente água do Tejo e movimentava-se no curto espaço de que dispunha, tentando manter-se à sombra. Inquieto por não encontrar saída, por volta das 14h00 tentou a sua sorte e ensaiou um voo que terminou poucos metros adiante, no rio. A sua condição física e cansaço e, quiçá, sem relevo ou correntes de ar quente para ajudar a levantar voo, não lhe permitiam sair da "armadilha" em que caiu. Apesar do voo falhado, mostrou boas competências para nadar de regresso para as rochas da margem.

Este comportamento valeu-lhe o nome de Natator (nadador, em Latim), e uma operação de resgate internacional. De barco, Agentes del Medio Natural da JEx, Vigilantes da Natureza do ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e o Paulo, da SPEA, conseguiram resgatar o abutre, que foi entregue no CERAS - Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens, gerido pela Quercus, em Castelo Branco.


Os movimentos do abutre-preto Natator entre 14/08 e 13/09/2024 mostram frequentes paragens junto às margens do rio Tejo. A seta amarela indica o local de resgate.


Operação de resgate do abutre-preto Natator. Fotografia Agustin Ruano/AGM-JEx.


Recuperação rumo à liberdade

O jovem Natator entrou no CERAS desnutrido, numa condição geral de debilidade, devido à fome e ao stress. Tinha lesões ligeiras nas patas, provavelmente devido ao longo tempo que esteve sobre as rochas, e uma asa magoada, sem lesão óssea, possivelmente devido à queda na água. Tratar os efeitos da desnutrição, que incluíam alguns sintomas neurológicos, foi um processo bastante prolongado. Mas, felizmente, este corajoso abutre recuperou em pleno.

Parecendo adivinhar a data da sua devolução à natureza, nas vésperas passou a treinar os voos com mais afinco, demonstrando que estava pronto.
Durante a sua estadia no CERAS, o Natator pôde contar com bons companheiros, também abutres-pretos, que ajudaram na sua sociabilização e recuperação. Algumas dessas aves, também juvenis de 2024 que recuperaram no CERAS por diversos motivos, seguirão brevemente viagem para o processo de aclimatação ao Douro Internacional. Não tendo território estabelecido ou origem conhecida, serão fundamentais para reforçar a colónia mais frágil do país.

De volta à natureza

A devolução do Natator à natureza ocorreu reste mês, num evento que contou com a presença de quem o resgatou e tratou (SPEA, JEx, ICNF, CERAS/Quercus), e da VCF, entidade que coordena o projeto LIFE Aegypius Return. Também a família proprietária da Herdade da Cubeira, onde o Natator nasceu, esteve presente. Gozando novamente de liberdade, o Natator tem-se mantido no Parque Natural do Tejo Internacional, felizmente sem paragens arriscadas à beira da água.


Movimentos do abutre-preto Natator nos dias seguintes à libertação, sempre na região do Tejo Internacional.
 


O momento de devolução do Natator à natureza. Fotografia Fernando Sanchez.


Fotografia de grupo na devolução à natura do Natator. Fotografia VCF.

Colónia do Tejo Internacional é a mais antiga do país

A colónia reprodutora de abutre-preto (Aegypius monachus) do Tejo Internacional é a maior e mais antiga de Portugal. A espécie estabeleceu-se neste território em 2010, cerca de quatro décadas após se ter extinguido enquanto reprodutora no país. Em 2024, esta colónia registou pelo menos 61 casais nidificantes, 15 ou 16 dos quais estabelecidos já do lado espanhol. A colónia beneficia de colaboração transfronteiriça, o que por vezes se revela essencial para a sobrevivência das aves, como se vê na história de Natator.

Os parceiros LIFE Aegypius Return agradecem a todos os técnicos e entidades envolvidos na proteção e conservação do abutre-preto. A cooperação transetorial e internacional tem sido um pilar para a recuperação da espécie em Portugal e no oeste de Espanha.

O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo Programa LIFE da União Europeia. É implementado por um consórcio que integra a Vulture Conservation Foundation (VCF), o beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural (com cofinanciamento da Viridia - Conservação em Ação e MAVA - Fondation pour la Nature), Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Faia Brava - Associação de Conservação da Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.