12 Setembro 2025
Parques eólicos e distâncias de segurança: novas recomendações para proteger o abutre-preto

Abutre-preto e parque eólico ao fundo. Fotografia Bruno Berthemy.
Um novo relatório do projeto LIFE Aegypius Return recomenda que os aerogeradores sejam instalados a pelo menos 7,7 km dos ninhos de abutre-preto (Aegypius monachus). Ainda assim, essa distância salvaguarda apenas o núcleo vital – a área onde cada indivíduo passa cerca de metade do seu tempo – de 50% dos juvenis, evidenciando os riscos que a expansão dos parques eólicos representa para esta espécie ameaçada.
Compatibilizar a transição energética com a proteção da biodiversidade
As energias renováveis são um pilar fundamental da necessária transição energética e da luta contra as alterações climáticas. A Vulture Conservation Foundation (VCF), todos os restantes parceiros do projeto LIFE Aegypius Return, e a generalidade das organizações ambientais apoiam o seu desenvolvimento, como condição basilar para a descarbonização da nossa sociedade, mas o seu rápido crescimento pode levantar desafios sérios para a conservação de algumas espécies sensíveis, como o abutre-preto, caso seja feito sem os necessários cuidados e controlos.
O relatório “Spatial Guidelines for Safeguarding Cinereous Vulture Colonies from Wind Farm Expansion”, elaborado pela VCF no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, apresenta dados claros e recomendações práticas para orientar o planeamento de novos parques eólicos, reduzindo os riscos para o abutre-preto.
A investigação baseou-se nos movimentos de 38 juvenis de abutre-preto marcados com emissor GPS/GSM em Portugal, entre 2018 e 2024. Estas são as principais conclusões:
• Mesmo num cenário em que se prioriza a produção de energia eólica, deve haver uma distância mínima de 7,7 km entre os aerogeradores e os ninhos mais próximos, protegendo o núcleo vital de apenas 50% dos juvenis.
• O cenário mais seguro para as aves exige 21,3 km de raio de exclusão de aerogeradores, garantindo-se uma proteção mais robusta durante o período crítico de dependência das crias em relação aos progenitores.
As áreas de exclusão propostas foram mapeadas para todas as colónias conhecidas em Portugal, fornecendo às autoridades e ao setor energético uma ferramenta prática para planeamento de novos parques eólicos, de forma a compatibilizar a sua instalação com a proteção do abutre-preto.
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O abutre-preto, uma espécie sensível
O abutre-preto é a maior ave necrófaga da Europa, encontra-se classificado como "Em Perigo" de extinção em Portugal, e é legalmente protegido. A sua ecologia exige vastas áreas vitais e uma orografia adequada ao seu tipo de voo planador. A época reprodutiva é particularmente longa: os casais iniciam a reprodução em janeiro e as crias apenas abandonam o ninho por volta de agosto-setembro, mantendo-se ainda dependentes dos progenitores durante vários meses.
Durante este período de dependência, os juvenis exploram o território em redor da colónia de forma intensiva, mas têm ainda capacidades de voo e de procura de alimento muito limitadas. Estes fatores tornam-nos particularmente vulneráveis a várias ameaças, como a colisão com turbinas eólicas. A mortalidade dos juvenis tem efeitos graves sobre esta espécie que só põe um ovo por época de reprodução, pois reduz o êxito reprodutivo das colónias e pode comprometer a sua viabilidade. O recrutamento de novos casais e a expansão de uma colónia é um processo que pode levar décadas, no caso de uma espécie longeva, com populações limitadas e muito fragmentadas, como o abutre-preto.
O abutre-preto é comprovadamente uma espécie vulnerável no que respeita à colisão com aerogeradores. Um estudo realizado nos Balcãs demonstrou que, mesmo assumindo um cuidado planeamento da localização dos aerogeradores e uma taxa de evitamento muito elevada (99%), a presença de 13 parques instalados na área nuclear de reprodução resultou numa mortalidade anual estimada de cinco a seis indivíduos. Este valor correspondeu a cerca de cinco a 11% da população local, composta por 24 casais reprodutores, e ocorreu quase exclusivamente no interior da zona nuclear da colónia – evidenciando que a distância entre os aerogeradores e os ninhos é um fator determinante no risco de mortalidade.
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Implicações práticas
O relatório representa uma ferramenta prática para o planeamento energético sustentável. Em Portugal, as suas recomendações assumem uma relevância imediata, por exemplo, no que respeita à recente colónia de Vidigueira/Portel, descoberta em 2024. Esta colónia está em expansão e representa um núcleo estratégico para a recuperação da espécie no Alentejo, sendo a colónia mais a oeste conhecida para a espécie em Portugal e na Europa. É também a única colónia afastada da fronteira com Espanha, sendo, por isso, absolutamente essencial para uma eventual recolonização de outras áreas no interior do país.
Contudo, aquela região está atualmente sob forte pressão para a instalação de novos projetos energéticos, incluindo parques eólicos e solares. A aplicação das distâncias de exclusão propostas pelo relatório é crucial para evitar que investimentos em energias renováveis comprometam décadas de esforços de conservação do abutre-preto (e outras espécies) no país.
Os parceiros do projeto LIFE Aegypius Return têm vindo a apoiar autoridades, promotores e consultores através de reuniões técnicas e da emissão de pareceres com informação detalhada sobre a evolução da espécie e alertando para potenciais riscos. O projeto objetiva que a ciência e a conservação da biodiversidade, e do abutre-preto, sejam integrados nos processos de tomada de decisão, numa lógica de redução de conflitos e dos fatores de ameaça, alinhando a transição energética com a proteção ambiental.
Naturalmente, a expansão das energias renováveis é essencial para fazer face à crise climática, mas só será verdadeiramente sustentável se não agravar uma outra crise em curso: a da perda da biodiversidade.

O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo Programa LIFE da União Europeia. É implementado por um consórcio que integra a Vulture Conservation Foundation (VCF), o beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural (com cofinanciamento da Viridia - Conservação em Ação e MAVA - Fondation pour la Nature), Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Faia Brava - Associação de Conservação da Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.
Compatibilizar a transição energética com a proteção da biodiversidade
As energias renováveis são um pilar fundamental da necessária transição energética e da luta contra as alterações climáticas. A Vulture Conservation Foundation (VCF), todos os restantes parceiros do projeto LIFE Aegypius Return, e a generalidade das organizações ambientais apoiam o seu desenvolvimento, como condição basilar para a descarbonização da nossa sociedade, mas o seu rápido crescimento pode levantar desafios sérios para a conservação de algumas espécies sensíveis, como o abutre-preto, caso seja feito sem os necessários cuidados e controlos.
O relatório “Spatial Guidelines for Safeguarding Cinereous Vulture Colonies from Wind Farm Expansion”, elaborado pela VCF no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, apresenta dados claros e recomendações práticas para orientar o planeamento de novos parques eólicos, reduzindo os riscos para o abutre-preto.
A investigação baseou-se nos movimentos de 38 juvenis de abutre-preto marcados com emissor GPS/GSM em Portugal, entre 2018 e 2024. Estas são as principais conclusões:
• Mesmo num cenário em que se prioriza a produção de energia eólica, deve haver uma distância mínima de 7,7 km entre os aerogeradores e os ninhos mais próximos, protegendo o núcleo vital de apenas 50% dos juvenis.
• O cenário mais seguro para as aves exige 21,3 km de raio de exclusão de aerogeradores, garantindo-se uma proteção mais robusta durante o período crítico de dependência das crias em relação aos progenitores.
As áreas de exclusão propostas foram mapeadas para todas as colónias conhecidas em Portugal, fornecendo às autoridades e ao setor energético uma ferramenta prática para planeamento de novos parques eólicos, de forma a compatibilizar a sua instalação com a proteção do abutre-preto.
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Parque eólico. Fotografia F. Heiberger.
O abutre-preto, uma espécie sensível
O abutre-preto é a maior ave necrófaga da Europa, encontra-se classificado como "Em Perigo" de extinção em Portugal, e é legalmente protegido. A sua ecologia exige vastas áreas vitais e uma orografia adequada ao seu tipo de voo planador. A época reprodutiva é particularmente longa: os casais iniciam a reprodução em janeiro e as crias apenas abandonam o ninho por volta de agosto-setembro, mantendo-se ainda dependentes dos progenitores durante vários meses.
Durante este período de dependência, os juvenis exploram o território em redor da colónia de forma intensiva, mas têm ainda capacidades de voo e de procura de alimento muito limitadas. Estes fatores tornam-nos particularmente vulneráveis a várias ameaças, como a colisão com turbinas eólicas. A mortalidade dos juvenis tem efeitos graves sobre esta espécie que só põe um ovo por época de reprodução, pois reduz o êxito reprodutivo das colónias e pode comprometer a sua viabilidade. O recrutamento de novos casais e a expansão de uma colónia é um processo que pode levar décadas, no caso de uma espécie longeva, com populações limitadas e muito fragmentadas, como o abutre-preto.
O abutre-preto é comprovadamente uma espécie vulnerável no que respeita à colisão com aerogeradores. Um estudo realizado nos Balcãs demonstrou que, mesmo assumindo um cuidado planeamento da localização dos aerogeradores e uma taxa de evitamento muito elevada (99%), a presença de 13 parques instalados na área nuclear de reprodução resultou numa mortalidade anual estimada de cinco a seis indivíduos. Este valor correspondeu a cerca de cinco a 11% da população local, composta por 24 casais reprodutores, e ocorreu quase exclusivamente no interior da zona nuclear da colónia – evidenciando que a distância entre os aerogeradores e os ninhos é um fator determinante no risco de mortalidade.
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Abutre-preto juvenil. Fotografia Fábio Moreira.
Implicações práticas
O relatório representa uma ferramenta prática para o planeamento energético sustentável. Em Portugal, as suas recomendações assumem uma relevância imediata, por exemplo, no que respeita à recente colónia de Vidigueira/Portel, descoberta em 2024. Esta colónia está em expansão e representa um núcleo estratégico para a recuperação da espécie no Alentejo, sendo a colónia mais a oeste conhecida para a espécie em Portugal e na Europa. É também a única colónia afastada da fronteira com Espanha, sendo, por isso, absolutamente essencial para uma eventual recolonização de outras áreas no interior do país.
Contudo, aquela região está atualmente sob forte pressão para a instalação de novos projetos energéticos, incluindo parques eólicos e solares. A aplicação das distâncias de exclusão propostas pelo relatório é crucial para evitar que investimentos em energias renováveis comprometam décadas de esforços de conservação do abutre-preto (e outras espécies) no país.
Os parceiros do projeto LIFE Aegypius Return têm vindo a apoiar autoridades, promotores e consultores através de reuniões técnicas e da emissão de pareceres com informação detalhada sobre a evolução da espécie e alertando para potenciais riscos. O projeto objetiva que a ciência e a conservação da biodiversidade, e do abutre-preto, sejam integrados nos processos de tomada de decisão, numa lógica de redução de conflitos e dos fatores de ameaça, alinhando a transição energética com a proteção ambiental.
Naturalmente, a expansão das energias renováveis é essencial para fazer face à crise climática, mas só será verdadeiramente sustentável se não agravar uma outra crise em curso: a da perda da biodiversidade.
Abutre-preto. Fotografia Hansruedi Weyrich.
O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo Programa LIFE da União Europeia. É implementado por um consórcio que integra a Vulture Conservation Foundation (VCF), o beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural (com cofinanciamento da Viridia - Conservação em Ação e MAVA - Fondation pour la Nature), Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Faia Brava - Associação de Conservação da Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.