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24 Outubro, 2023

LIFE Aegypius Return: há pelo menos 78 casais nidificantes de abutre-preto em Portugal

LIFE Aegypius Return: há pelo menos 78 casais nidificantes de abutre-preto em Portugal

Abutre-preto. Fotografia Pinto Moreira.

Existem em Portugal 78 a 81 casais nidificantes de abutre-preto, segundo os últimos dados do projeto LIFE Aegypius Return. Destes, sete casais encontram-se já no lado espanhol das colónias, com ninhos localizados a menos 1000 metros da fronteira. Iniciado há um ano com o objetivo de consolidar o regresso da espécie, de estatuto Criticamente em Perigo em Portugal, este projeto reúne várias entidades e parceiros a trabalhar coordenadamente para a conservação do abutre-preto.

Em 2022 estimava-se existirem apenas cerca de 40 casais nidificantes em Portugal; o elevado aumento deste número é fruto de uma apurada prospeção de novos ninhos, monitorização e coordenação de dados de várias entidades. O êxito reprodutor é ainda relativamente baixo, comprometendo a continuidade da espécie a longo prazo. Em 50 crias nascidas este ano, apenas 35-37 foram recrutadas para a população, um sucesso reprodutor que se cifrou em 0.47. É objetivo do projeto garantir condições favoráveis à espécie para que, até 2027, este parâmetro aumente para um valor superior a 0.5, ou seja, que pelo menos metade das posturas resultem num juvenil voador, recrutado para a população, assegurando a renovação e a continuidade do efetivo.

População de abutre-preto distribui-se em quatro colónias

O abutre-preto é a maior ave de rapina do continente europeu. Com uma envergadura de quase três metros, esta ave necrófaga detém o estatuto de Criticamente em Perigo, em Portugal. Após a sua extinção como espécie reprodutora no país, na década de 1970, a espécie estabeleceu o seu primeiro ninho em território nacional em 2010, no Parque Natural do Tejo Internacional. Distribui-se atualmente em quatro colónias ao longo da fronteira leste com Espanha. Cada casal reprodutor de abutre-preto põe apenas um ovo. A eclosão da cria não significa necessariamente que irá sobreviver e desenvolver-se até se tornar voadora, fase em que se considera que integra efetivamente a população. Todos estes parâmetros são detalhadamente monitorizados pelas equipas do projeto, em trabalho de campo por vezes complexo, uma vez que todas as observações têm de ser feitas à distância e sem perturbar as aves.

As equipas de monitorização confirmaram um total de 78 a 81 casais nidificantes de abutre-preto em 2023, nas quatro colónias portuguesas, embora, em rigor, sete ninhos se encontrem já do lado de lá da fronteira, em território espanhol, embora ecologicamente integrando as colónias portuguesas. Um dos principais marcos do projeto foi estabelecer uma situação de referência robusta quanto à reprodução do abutre-preto em Portugal. Os trabalhos permitiram monitorizar detalhadamente cada uma das quatro colónias atualmente existentes no país, promovendo a coordenação de esforços entre os parceiros de projeto, mas também com outras entidades, cujo contributo é inestimável para a aferição da situação.

Dados de cada colónia:

Parque Natural do Douro Internacional: 3 casais, 2 crias recrutadas
Serra da Malcata: 14 casais, 8 crias recrutadas
Parque Natural do Tejo Internacional: 44-46 casais, 20-22 crias recrutadas
Herdade da Contenda: 17-18 casais, 5 crias recrutadas



Parque Natural do Douro Internacional tem três casais de abutre-preto

A colónia mais limítrofe, isolada e frágil é a do Parque Natural do Douro Internacional, monitorizada pela Palombar em colaboração com a Direção Regional (DR) Norte do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Esta colónia teve este ano, e pela primeira vez desde o regresso da espécie à região, em 2012, três casais a nidificar. No entanto, apenas dois se reproduziram com êxito.

Na Zona de Proteção Especial (ZPE) do Douro Internacional e Vale do Águeda, bem como na área norte da ZPE Vale do Côa, a Palombar, em estreita colaboração com técnicos e Vigilantes da Natureza da Direção Regional Norte do ICNF e com a Associação Transumância e Natureza (ATNatureza), realiza, desde 2022, ações de monitorização dos casais reprodutores e prospeção para deteção de novos casais. Foi esta ação conjunta e concertada que permitiu detetar o terceiro casal de abutre-preto a nidificar na região, um dado importante, dado o tamanho bastante reduzido desta colónia.

Com o objetivo de aumentar a colónia de abutres-pretos na ZPE do Douro Internacional e Vale do Águeda, o projeto prevê, até 2027, devolver à natureza nesta área 20 abutres-pretos provenientes de centros de recuperação de fauna selvagem. Neste âmbito, está a ser construída uma estrutura de aclimatação na zona da colónia. Nesta estrutura de grandes dimensões e com todas as condições de segurança, os indivíduos da espécie recuperados irão passar por um período de readaptação ao meio natural e de habituação à região para que a sua fixação nesta colónia, depois da devolução à natureza, seja facilitada. Até ao momento, o projeto já devolveu dois abutres-pretos à natureza no Douro Internacional.

Desde 2013, após o regesso do abutre-preto ao Douro Internacional em 2012, é realizada, por parte da DR Norte do ICNF, a monitorização continuada da espécie na região, em colaboração com a Palombar, um trabalho que tem sido intensificado no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return.


Monitorização de casais de abutre-preto no Douro Internacional realizada em 2022 por Vigilantes da Natureza e técnicos da DR Norte do ICNF e pela Palombar. Fotografia António Monteiro.


Oito crias de abutre-preto voaram com sucesso este ano na Serra da Malcata


A colónia da Serra da Malcata foi aquela em que se registou um maior aumento no número de ninhos conhecidos e de casais nidificantes identificados. No ano passado foram registados dois casais nidificantes e, este ano, 14, dos quais resultaram oito crias recrutadas para a população.

Embora se verifique um efetivo aumento no número de casais nidificantes nesta colónia, estes resultados demonstram principalmente a importância da coordenação de esforços de monitorização. Em 2023, os técnicos e vigilantes do ICNF – DR Centro e a Rewilding Portugal articularam as metodologias de prospeção e monitorização da espécie na ZPE da Serra da Malcata, definidas conjuntamente no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, tendo obtido impressionantes resultados. O parceiro ATNatureza reforçou a prospeção de ninhos noutras regiões potencialmente adequadas à espécie, como, por exemplo, em Almeida e na zona sul do Vale do rio Côa.

44 casais de abutre-preto na maior colónia do país, Parque Natural do Tejo Internacional

O Tejo Internacional é a região que alberga a maior colónia de abutre-preto em Portugal, tendo-se este ano registado um total de 44 a 46 casais nidificantes (cinco dos quais localizados do outro lado da fronteira), o que representa um aumento de mais de uma dezena de casais nidificantes conhecidos. Nesta colónia foram recrutadas 20 a 22 crias para a população (cinco das quais nascidas nos ninhos em território espanhol).

Foi no Tejo Internacional que a espécie estabeleceu o seu primeiro ninho em território nacional, em 2010. A prospeção de novos ninhos e a monitorização em 2023 esteve a cargo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e contou com o precioso apoio da Quercus e dos vigilantes do ICNF – DR do Centro, que já asseguravam a monitorização da espécie, desde o seu regresso. A SPEA fez ainda a prospeção de habitats com condições favoráveis à espécie nas regiões de Serra de São Mamede, rio Sever, Serra das Talhadas, Vila Velha de Ródão e Serra de Penha Garcia, no entanto nestas regiões não se confirmou a nidificação da espécie.

Herdade da Contenda com 17 casais de abutre-preto

A Herdade da Contenda, localizada na ZPE de Mourão/Moura/Barrancos, recebe a colónia mais meridional, e também registou um aumento no número de ninhos conhecidos e ocupados por abutre-preto. Aqui, os trabalhos de monitorização estão a cargo da Liga para Protecção da Natureza (LPN), e contam com a colaboração da Herdade da Contenda, E.M. e os vigilantes do ICNF – DR do Alentejo. Em 2022, esta colónia registou 10 casais nidificantes, número que este ano aumentou para 17 a 18 (dos quais, dois já em território espanhol), e dos quais resultaram 12 posturas e cinco crias voadoras.


Abutre-preto no ninho. Fotografia Alfonso Godino.


Monitorização do lado espanhol


O projeto, através do parceiro Fundación Naturaleza y Hombre (FNYH), está também encarregue pela monitorização da reprodução do abutre-preto nas ZPE Sierra de Gata y Valle de las Pilas, e Canchos de Ramiro y Ladronera, em Espanha. No total destas duas áreas foram contabilizados 157 casais nidificantes que produziram 103 crias recrutadas para a população.

Na ZPE Campo de Azaba, a terceira ZPE em Espanha abrangida pelo projeto, a espécie não tem nidificação confirmada, mas a FNYH acompanha o número de abutres-pretos, grifos e outras espécies que se deslocam ao campo de alimentação para aves necrófagas ali existente.

Monitorização e marcação de crias no ninho

Durante o período de nidificação, as equipas de veterinários e biólogos de entidades parceiras do projeto retiraram momentaneamente do ninho 18 crias de abutre-preto, para recolher amostras biológicas e analisar a sua condição. Adicionalmente, as crias foram anilhadas e 15 foram marcadas com emissores GPS, o que permitirá à equipa fazer o seguimento das aves e analisar padrões de movimento e dispersão. A informação recebida permite ainda detetar situações anómalas e, em caso de necessidade, intervir atempadamente.

As recolhas de amostras permitem analisar parâmetros biológicos, toxicológicos, genéticos, entre outros, para aumentar o conhecimento científico disponível sobre a espécie e melhorar as ações de conservação ou de cuidado veterinário de que necessita. Na sequência de uma visita ao ninho, uma cria precisou de uma intervenção cirúrgica e de cuidados veterinários no CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens, onde esteve em reabilitação até poder ser devolvido à natureza.

Melhorar o sucesso reprodutor da espécie

O significativo aumento do número de casais traz renovada esperança para o futuro da espécie em Portugal. No entanto, com um sucesso reprodutor ainda relativamente baixo, os parceiros do projeto estão empenhados em favorecer o habitat e as condições de nidificação da espécie. No terreno, os trabalhos de conservação incluíram já a gestão florestal de mais de cinco hectares, com vista à prevenção de incêndios em áreas de ocorrência e nidificação da espécie. A manutenção de ninhos naturais ou artificiais é também uma das iniciativas que garante segurança para as aves. Este ano, mais de dez ninhos foram alvo de intervenções, alguns com resultados imediatos e utilizados por casais, estando planeadas para breve intervenções adicionais.

“O primeiro ano do projeto demonstra que estamos no caminho certo, com um esforço coordenado entre muitas organizações a contribuir para o conhecimento científico, para a melhoria das condições de habitat e alimentares para a espécie, reduzindo também as ameaças a que está sujeita. Queremos consolidar a população de abutre-preto em Portugal e garantir a sua viabilidade a longo prazo", afirma Milene Matos, coordenadora do projeto LIFE Aegypius Return.

Garantir o futuro da espécie em Portugal

O projeto inclui ainda uma forte componente de redução de ameaças à espécie, de onde se destaca o combate anti-veneno, uma vez que os envenenamentos são a principal causa de morte dos abutres. Neste âmbito, para além da colaboração com a GNR e o programa Antídoto, o projeto pretende apoiar o setor da caça na transição para o uso de munições sem chumbo. Adicionalmente, a capacitação de agentes de autoridade e a sensibilização das populações locais é também um dos objetivos do projeto. O projeto LIFE Aegypius Return, co-financiado pelo programa LIFE da União Europeia, está a trabalhar com diferentes setores e entidades para consolidar a espécie em Portugal, de forma a garantir que o seu estado de conservação passe de “Criticamente em Perigo” para “Em Perigo”.